segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Lucidez




Maria J Fortuna

Os dias de outubro, no Rio de Janeiro, andam nublados. Estranhamente nesses dias nebulosos, tem me acontecido, interiormente, o contrário: A névoa, que me ofusca a percepção, se vai, e passo a enxergar pessoas e fatos com maior clareza. Quero dizer que tenho vivido, neste tempo, dias de grande lucidez! A lentidão, que provoca pensamentos pesados, é substituída pela limpidez de raciocínio, com cada vez menos esforço, para perceber o que anda acontecendo nos bastidores da vida. No correr do dia, a claridade se faz como sol do meio-dia banhando os becos da alma, outrora sem luz. Atingem-me insights, como faíscas luminosas! Até a memória, um pouco dançada pelos anos vividos, fica mais clara. Onde estão os fantasmas com quem tenho costume de conviver? Com certeza, a presença deles é sempre incomoda. Vão surgindo do nada e me apavoram desde os dias da infância. Expulsá-los não resolve. Aprendi a ser tolerante e a contemplar seu desfilar, em procissão às vezes macabra, de mau agouro, e a conviver com o absurdo. Aprendi, igualmente, a tornar-me expectadora de mim mesma, pintando as visagens* com cara de palhaço e arlequim, ou coisa parecida, para que se tornem suportáveis! Aí eles, os fantasmas, costumam ir embora. Mas em dia de lucidez não aparecem. A cortina do coração se abre e a luz se projeta em meu peito, garimpando o amor que está escondido nas águas do inconsciente. E como Guimarães Rosa: “qualquer amor é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura!” E amor é acolhimento.
Lucidez não é “presente de grego” dos dias nublados. É o abrir-se para si mesmo. Reecontrar-se. Reconhecer-se. Tornar-se coerente. É como se nuvens se retirassem da alma e não houvesse mais nada a camuflar. Mas é também desafio à consciência de que este estado abençoado pode levar a uma tremenda solidão, no seu apelo à coerência. Se não houver coragem, as nuvens ficam mais espessas, e nos especializaremos em fugas que podem durar a vida inteira!
Quando eu era criança, havia um quadro, na sala de estar, que representava Jesus sentado numa pedra, nas montanhas, à noite, muito triste, olhando para Jerusalém do Monte das Oliveiras, que aparece no plano abaixo. Eu ficava intrigada. Quem seria responsável por tamanha tristeza estampada no rosto do Mestre? Fiquei sabendo depois que estava refletida nele a consciência da sua Missão. E de longe contemplava Jerusalém onde seria crucificado.

“JERUSALÉM, JERUSALÉM, QUE MATAS OS PROFETAS E APEDREJAIS OS QUE TE FORAM ENVIADOS”
O preço da lucidez e da coerência é enorme! Muito mais quando nascemos em uma sociedade esquizofrenante, ligada ao consumismo, que faz tudo para que nos esqueçamos de nós mesmos e oferece mil artigos para que outra pessoa, que não está dentro de mim, vire robô consentido e se mascare, todos os dias, na fuga de si mesmo.

*Visage é usado para designar fantasma no Estado do Maranhão e vem do francês visage, que quer dizer rosto, fisionomia

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