quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Desejo-lhes muita paixão!



Maria J Fortuna






Desejo a mim mesma, a meus amigos e a todos os que querem viver na acepção da palavra, muita paixão em 2012 e em todos os momentos em que algo de muito grandioso, como a escolha da profissão e/ou alguma meta dentro da mesma, possa ser realizada! Se a gente não estremecer na base, suar e chorar de emoção, sentindo o coração bater com força, voz embargada, um pouco de insônia até, na expectativa de uma realização pessoal , não viveremos a paixão que nos levará à plenitude do nosso ser! Sérgio Brito e Joãozinho Trinta foram exemplo dessa vida apaixonada que os levou a cumprir o recado da alma, a Missão de encantar!


Apaixonar-se, para mim, só pode ser por um ideal, uma causa, algo grande, muito grande e abrangente! Que justifique nossa existência e nos tome por inteiro, direcionando-nos a algo maior do que nós mesmos: a Arte, por exemplo. Ao fogo do Espírito! Arte de viver, de amar, fazendo-nos expressar, em alguns momentos, a Beleza que pode existir dentro de cada um de nós. Que se manifeste a partir dos nossos corações. Uma vez abrigando a Beleza na alma, permitir então que faça seu trabalho: Tornar-nos transparentes a seu toque, deixando que seus raios luminosos venham colorir o mundo através do sentimento de amor e esperança!


Eu lhes desejo muita paixão. Aquela que não posso dedicar a uma só pessoa, porque este sentimento é aniquilador quando o individualizamos. Sendo forte e imenso, fulmina o que é restrito, porque gosta de amplitude, de espaço maior. Desejo-lhes liberação de todo maravilhoso potencial interno, que mora em cada um de nós, independente de sexo ou cor, idade ou conformação da massa corporal. Deixar que a paixão nos conduza pelos canais que irrigam nossas melhores sementes: projetos, objetivos, metas, como nomeamos nossa missão na Terra, e que nos tornam capazes de trabalhar por um mundo melhor, menos poluído pelo lixo da corrupção, com menos fronteiras.

Desejo-lhes muita, muita paixão em 2012!

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O natal de Papai Noel




Maria J Fortuna





“Este povo somente me honra com os lábios; seu coração, porém, está longe de mim” (Isaias 29,13)






Foi-se o tempo em que minha família rumava todos os anos, no Natal de Jesus, para a celebração da Missa do Galo... Era muito bom! Eu e minha irmã, de mãos dadas, seguíamos na frente do grupo; depois vinham meus dois irmãos mais velhos e, por fim, meu pai e minha mãe caminhando na estreita calçada das ruas pedregulhosas de São Luís do Maranhão. Era um dia alegre e ao mesmo tempo solene. A gente ia sempre à mesma Igreja – a de São João, onde fui batizada. Durante a Missa, meus irmãos tocavam o sino na hora da elevação da Hóstia. Eu morria de inveja! Naquele momento, queria ter nascido menino, para me dependurar nas cordas que faziam o sino badalar.

A Missa do Galo era belíssima! Toda em latim. A igreja repleta de incenso gostoso misturado ao perfume das angélicas e ao som do orgão. Tudo era mágico e maravilhoso! Eu fechava os olhos e pedia ao Menino Jesus que se tornasse meu amigo, que não ligasse para o fato de eu ser menina, que não brincava com meninos. E, exatamente por causa disso, o trataria com mais delicadeza. Enrolaria seus cachos dourados nos dedos, soprando-lhe os olhinhos para fazê-lo sorrir, e faria o possível para que dormisse coma cabecinha no meu colo. De repente, ele poderia até ser da Terra do Nunca de Peter Pan e evitaria crescer para não passar pelo que passou, mesmo que fosse pela humanidade, como diziam os adultos.

Os fiéis oravam com muito ardor. Parece que todo mundo tomava banho e vestia sua melhor roupa. Eu me lembro de um cheiro de naftalina misturada com brilhantina. Os homens guardavam seus ternos, de preferência brancos, nos guarda-roupas, esperando o grande dia! As mulheres penteavam seus cabelos com capricho. As que eram ricas usavam joias caras e vestiam-se de seda. Abanavam-se com seus leques perfumados com almíscar na hora do sermão em que o padre João parecia colocar o coração nas mãos, para dá-lo a todos que ali estavam.

Depois da Missa, vinha a fila para beijar a representação do Menino Jesus, que ficava exposto na frente do altar-mor. Para evitar que todos beijassem o mesmo lugar da imagem, a gente osculava as fitas coloridas que pareciam brotar das palhinhas do presépio.

Já em casa, ceávamos uvas, passas, nozes, castanhas, maçãs e peru recheado com farofa. Era o maior banquete do ano! Na sobremesa, fatia parida. O que aqui no sudeste chama-se rabanada. São feitas com fatias de pão dormido, embebidas no leite frio, ligeiramente, de um lado ede outro, que escorridas numa peneira, são mergulhadas nos ovos batidos, clara e gema, e levadas para fritar em óleo quente. Depois são passadas no acúcar, misturado com canela.

Depois as crianças abriam os presentes. Só os pequenos ganhavam. Ficávamos ansiosos para saber o que Papai Noel havia nos deixado. A imagem dele era vista em livros de estórias infantis. Eu queria um bebê fofinho, mas só ganhava boneca de cachos louros ou trancinhas.

Lá em casa não tinha árvore, mas havia o presépio que encantava a gente! Passávamos o ano todo guardando pequeninos carneiros, vacas e bois de brinquedo, pastores e anjos, para compor o presépio no dia de Natal. Apanhávamos areia branquinha da praia para forrar o chão da estribaria, onde Jesus foi colocado após seu nascimento. Nós, meninas da casa, cuidávamos do presépio, mas eu tinha um primo que guardava esses apetrechos numa caixa de MODESS. E nós crianças, não sabíamos por que todo adulto que nos aparecia olhava a caixa do meu primo com uma cara meio estranha, com um meio sorriso sem graça.

Mais tarde, a gente pedia benção aos pais e ia dormir. A festa era tal qual o Aniversariante – simples, despojada de luxo.

Quando vejo hoje em dia a descaracterização do Natal, transformado em festa de Papai Noel, dá-me dor no coração... O evento está desfigurado... Pelo que vejo nos jornais da TV, os países do ocidente esbanjam figuras monumentais! Grandes árvores, vitrines enfeitadas, papais noéis gigantescos e um enorme consumo de bebida, comida, e presentes, muito deles caros, enquanto a miséria grassa num submundo, abaixo da linha da pobreza. Quanto maior a festa, mais o esquecimento do Natal de Jesus, que toda vida foi simples e humilde decoração. Então Papai Noel é celebrado em vez Dele. Dizem até que a festa vai ser transformada numa espécie de Dia de Ação de Graças dos Estados Unidos, ou seja, não vai ter mais Jesus como centro.

Pouco importa se 25 de dezembro foi ou não o dia em que Jesus nasceu, ou reacender a velha discussão de outras tradições religiosas, acerca da Sua divindade. Pouco importa os que querem transformar o evento numa festa apenas de encontro fraternal entre as pessoas. Menos mal... Mas nós, cristãos, deixemos de lado tanta extravagância! Resgatemos o natal de Jesus, pois há que sentir intensamente seu verdadeiro Espírito. O mundo está precisando deste reconhecimento. Afinal " Ele veio para o que era seu, mas os seus não O receberam.” João 1:11

Esqueçamos o consumismo de Noel e tratemos de receber o Menino, restituindo o verdadeiro significado da festa e lembrar a todos de quem é o aniversário. Assim, como fazíamos antigamente...

Que saudades do Natal de minha infância!

sábado, 17 de dezembro de 2011

Fernando Bryce















"Por meio de um desenho com forte influência das tiras cômicas do início do século 20, Bryce reproduz desde material de arquivo, como documentos de governo, até folhetos turísticos, enfatizando como os fatos são construídos, como a história é contada e como a cultura é descrita.O tema essencial do trabalho do artista é a representação. Transcrevendo a 'história oficial' e dando-lhe uma forma visual, opera uma "transposição do reino dos fatos para o reino da arte", como ele define."

Eva Kotatkova








Presente na bienal de Lyon, e sua preocupação com o aprendizado.

Fernando Bryce e a crônica de uma memória coletiva











O peruano Fernando Bryce, com a crônica de uma memória coletiva, um trabalho extraordinário sobre a vertiginosa passagem do tempo e de fatos que se acumulam em jornais, e a tcheca Eva Kotatkova, que em obras terrivelmente perturbadoras critica a formatação de cérebros pela escola. Grandes descobertas. (Comentário de Leneida Duarte-Plon)

A luta da semente





Maria J Fortuna

Eu olhava para a terra e ficava preocupada com as sementes que brotavam, mas morriam antes de ver o sol. Pequenas mudas recém-nascidas, que mínguam quando embaladas por fortes ventos, desaguadas, a mercê do sol quente, sem desabrochar como planta. Daquelas que advêm de terrenos secos e minoram antes de ensaiar o primeiro suspiro fora da terra. Era isso que me amedrontava, quando eu trabalhava com as crianças desnutridas. Brotar no útero, ter que nascer para se alimentar, saciar a sede, semear outras sementes e cumprir o ciclo da vida é uma tarefa quase impossível para eles! Muitos daqueles seres são gerados no ódio, mãe passiva, pai bêbedo e agressivo. Eu ouvia relatos... Outros não tem o que comer, muito menos comprar um preservativo na farmácia, para não fazer semear frutos fora da estação das vacas gordas, que nunca chega.
- Este aí é fruto da camisinha furada! Apontavam para a criança, que contemplava a mãe, sem saber por que dizia aquilo.
Uma vez nascido, a luta para sobreviver. A falta de alimento depois que o peito secou, como a seiva para a pequena muda. O buraco negro onde estaria a consciência de quem semeou sem preparar a terra. Ausência de família, onde a semente brotada se sinta pertinente; carência de projeto das grandes firmas e de bancos para acudir os pequeninos; indiferença da sociedade e dos países mais desenvolvidos para com quem necessita de tudo, enfim. Afinal há um bilhão de pessoas, que vivem no limite da sobrevivência, com apenas um dólar ao dia. E há 2,6 bilhões (40% da humanidade) que vivem com menos de dois dólares diários.
Mas a planta nasceu e está crescendo, apesar de tudo! Deu o sim à vida, disposta a cumprir seu papel no mundo. Mesmo esbarrando nos trovões da insanidade. De medo, veste a dura casca da autoproteção. A borboleta morre num casulo, que não a deixa nascer. Assim, abrolha a incapacidade total de se relacionar com os seres,que habitam o mesmo espaço. Por que? Por causa das tempestades da violência, dos alagamentos da corrupção que assola o solo, e ainda tem que sobreviver aos terremotos da ignorância que, conforme o grau de intensidade, provocam desabamento de sonhos e ideais, que poderiam ser realizados.
Mas a planta não esquece sua energia de semente, que veio de um ser que também foi semente, e daí por diante. Voltando para seu núcleo, descobre que tem força vital e que ela não é qualquer germe, mas um ser que, favorecido por alguém ou alguma circunstância, brota, cresce e dá frutos, apesar de tudo. Aí começa a luta pela sobrevivência, temperada por uma virtude que nem Deus tem - a esperança!


quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

No Retiro das Pedras...









Maria J Fortuna
















Foto da Galeria de Claudio Greco



Outro dia, eu estava em clima de lembranças. Então, evoquei os dias ensolarados e brumosos passados no Retiro das Pedras. Onde fica esse lugar? Próximo à Belo Horizonte, em Minas Gerais, num condomínio fechado, onde morei no tempo em que o Brasil não conseguia respirar.

O verão por aquelas paragens trazia um sol convidativo aos banhos de cachoeira, onde jovens corpos nus mergulhavam no lago, aparando nos ombros as duchas refrescantes da queda d´água. No inverno, dias de neblina, sentia o ar puro penetrando-me as narinas como fumaça gelada. Dias nostálgicos com a bruma característica dos momentos frios e solitários que, com certeza, contribuíram para alavancar o processo de redescoberta de mim mesma. Eu estava tão enfumaçada quanto aqueles dias de inverno, quando o país sufocava com a ditadura dos anos 60.

Naquela época, o Retiro, como o nome mesmo diz, era um espaço sagrado como refúgio e propicio à reflexão. Eu ficava horas sentada numa pedra, no alto da montanha, sentindo o vento cortante da região esfriando-me o rosto, suspirando pela primavera. Aqueles momentos eram de paz. Fechando os olhos, ouvia a sinfonia dos ventos. Mergulhava na meditação que me fazia esquecer, por alguns instantes, a agonia daqueles tempos, embora o murmúrio do vento me dissesse das dores dos que sofriam, injustamente, nos cárceres deste imenso país pelo ideal de liberdade. Às vezes, dava um aperto no coração e eu chorava. As lágrimas eram condensadas com a bruma, misturando-se a ela. Quando abria os olhos, ali diante de mim estava uma das mais belas paisagens que eu tive oportunidade de contemplar! Mas eu estava fragilizada e, apesar da beleza do vale, cercado de íngremes pedras pontiagudas, eu via, no meio daquele mar de bonanças, formas ameaçadoras, que depois de alguns segundos, iam se harmonizando diante do meu olhar cansado. Isso porque o contorno das pedras pontiagudas em série fazia-me parecer que as montanhas enfeitadas por grandes escamas de pedras, em seus contornos, eram gigantes petrificados, vestidos de marrom e cinza.

Enquanto lá fora, na Capital, o clima de desconfiança crescia, ironicamente foi no Retiro que amei e me deixei amar num clima de verdadeira confiança! Isso foi durante uma série de vivências na comunidade espiritual que se formou espontaneamente, por seleção natural. Muitas vezes, nosso grupo se reunia na casa de um Mestre de yoga e ali discutíamos ideias e falávamos do insólito. Tomávamos sopa quentinha naquela pequena casa de alvenaria, enfeitada por trepadeiras floridas. Em dias de chuva, a conversa prolongava-se até tarde da noite. Então, havia chá com bolinho de soja. Tudo ao som de alguma música indiana, sentindo não só o perfume de incenso, mas também da verdadeira amizade. Algumas vezes, íamos a um concerto num pequeno teatro que um arquiteto construiu anexo a sua casa. Havia também um castelo medieval onde as crianças brincavam de reis e rainhas, concretização do sonho de uma senhora chamada Berenice. Por todo canto, brotavam lírios brancos e amarelos, assim como hortênsias e girassóis. Foi lá que conheci miosótis, uma delicada flor azul que tanto me encantou. Era comum ver árvores frutíferas naquela vegetação de cerrado e muitos pinheiros, cães de olhos bondosos, corujas escondidas nos galhos mais altos e pássaros cantores.Havia encanto no ar e magia nas noites estreladas, banhadas pelas canções de seresta como só em Minas existe. Muito adulto jurava que via fadinhas ou duendes brincando de ser criança. O clima era de encanto mesmo quando o coração estava triste. O silêncio era perfeito!

Um dia tive que sair do Retiro das Pedras. A despedida foi um baile à fantasia. Um casal que não pode ir à festa, ofereceu-me um jantar, do qual nunca mais esquecerei! Foi à luz das velas naquela casa que tinha cheiro de jasmim. Pequenas luzes tremulantes ocupavam cada degrau da escada que nos levava à sala de estar, onde pratos típicos alemães, alguns fumegantes, descansavam na pesada mesa de madeira cheirosa. Coloridas garrafas de vinho branco refletiam o lilás dos vasos de violetas. Na enorme janela de vidro transparente, avistava-se, além das montanhas, o vale e a lua, que derramava seu luminoso charme por toda paisagem! Ouvimos as mais inspiradoras músicas de Bach e alguns trechos do Parsifal de Wagner.

Num clima de lembranças, descubro o relicário que abrigo no coração e que me pulsa n´alma! O Retiro das Pedras os seus personagens com quem ali convivi me estão sempre presentes aos olhos da memória e desperto essas recordações quando a vida me faz caretas e os fantasmas de mau agouro aparecem. Então viajo para lá, onde quer que eu esteja!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Presente de Natal





O Natal vem aí! Deixe o Anjinho Tico acontecer em sua casa!


















ISBN: 8571601259
Autor(es): Maria de Jesus Fortuna Lima
Ilustrador(es):
Dimensões: 14 x 21 cm - NºPág.: 40
Preço: R$20.00


O anjinho Tico apaixonou-se pela vida na terra e queria virar gente. Antes disso, po-rém, ele faria uma viagem de “reconhecimento” do planeta e das gentes pra confirmar mesmo se queria virar humano. Por isso, Tico fez amizade com criança e gente grande, mas também bichos e plantas. Diálogos inteligentes e saborosos, de grande leveza como só uma história de anjo pode ter.


Pedidos para

Notícias das artes na França por Leneide Duarte - Plon










"Na Bienal de Lyon, brilham os brasileiros Cildo Meireles, que ocupa todo um andar do Musée d’Art Contemporain com uma obra incrível (FOTOS) chamada « La Bruja », feita de milhares de metros fios de lã preta. No pavilhão chamado Sucrière, uma sala especial homenageia Arthur Bispo do Rosário com diversas obras e é a única sala onde não se pode fazer fotos. Os poemas de Augusto de Campos (FOTO) estão salpicados em diversas paredes da Sucrière. A brasileira Daniela Thomas também está presente na Bienal com a mise en scène de uma obra de Beckett, « Breath ». "

A casa




Maria J Fortuna

Talvez as portas daquela casa nunca tivessem trancas. Sei que várias pessoas passaram por ela, meio que indiferentes. Talvez a pintura externa não agradasse ou a arquitetura deixasse a desejar. Mas, logo após sua construção, abrigou muita gente! Muitos estiveram por ali e a casa foi lar de muitas esperanças. Tanto é que, quando novinha, as pessoas só entravam, quase não saíam. E a casa era feliz com aquela gente se remexendo dentro dela. Era comum trazerem flores para enfeitá-la. Escancarava suas portas o mais que podia e dava boas vindas a todos! Um dia foi assim.
Tempos depois, deu-se conta de que as flores trazidas por aquelas pessoas, nem sempre eram belas e perfumadas. Em pouco tempo eram jogadas no lixo. Então, o jarro que ornamentava a sala, ficava, muitas vezes, vazio. Deu-se conta, também, que espinhos costumam durar bem mais que flores, apesar de fazerem parte delas. Foi aí que resolveu se proteger. Deixar a porta meio que trancada. Um sentimento novo e incômodo deu inicio à questão: colocar ou não grades na porta e janelas. Resolveu que não. Não sem antes conhecer o seu verdadeiro dono. Aquele que a havia planejado com tanta exatidão de cálculos. Aquele que havia se inspirado para dar-lhe aquela forma, tão universal, e havia soprado nela.
Passaram-se os anos com tempo bom e algumas tempestades. A casa não era muito forte na construção, mas, de vez em quando, uma faísca de relâmpago caia lá fora e lhe causava tremores. Talvez os chamados terremotos. Com isso trincou algumas paredes. Mas a voz do trovão não a amedrontava. Pois estava acostumada com estranhos rumores... Dentro dela. Notou que, depois de uma festa, pessoas deixam más e boas lembranças e que isso acontece sempre quando muita gente se reúne, principalmente em bailes de máscaras.
Até hoje há gente que não respeita o silêncio que reina em seus corredores. Apesar de tudo é tão necessário que reine a harmonia nos diversos cômodos, para que possa ser chamada de morada. Mas há gente barulhenta, que nem pede licença para penetrar em seus espaços. Algumas molham o jardim, outras deixam as plantas com sede e a casa toda se sente seca. Mas há presenças que não incomodam e até acendem suas luzes quando chega a noite, tal como vagalumes amorosos! Vez por outra afagam suas paredes, acomodando-se confiantes, nas poltronas macias da sala. E além de lavar, carinhosamente, chão e paredes, ainda exalam seu perfume por toda a morada, que fica com cheiro de lar de si mesma. Para essas, a velha casa deixa-se visitar alegremente. Oferece os cômodos mais íntimos! Permite que lavem suas almas, muitas vezes cansadas, com água fresca, saída de bicas que parecem nunca estancar. Permite a abertura das janelas, para que os raios do sol as aqueçam no calor do afeto. Convida-as a deitarem-se nos confortáveis leitos de seus quartos, que são testemunhas mudas dos amores mais tórridos, dos momentos mais frescos e das lágrimas mais quentes, e tudo mais.
A maioria das presenças deixa ali algo que pode ser guardado no sótão ou no porão, que são muito escuros, cheios de lembranças em seus diversos baús. Ambos muito solitários... O sótão é pouco visitado, porque não interessa muito à maioria das pessoas esforço e risco de subir pela escada, para desvendar por lá coisas desconhecidas, que a casa oculta até de si mesma. Mas quem ousa fazê-lo vê, na transparência do teto, as estrelas, logo que a noite chega.
Há, porém ali um lugar especial, onde de tempos em tempos uma nobre dama, fora do tempo, encontra seu Amado. Este cômodo fica no centro da casa. Os sufis os reconhecem muito bem. Apesar das vestes diferentes, em repetidas ocasiões, são sempre os mesmos. Sentam-se para sorver o vinho mais precioso em cerimônia nupcial. Aí a casa se ilumina, as flores e folhas mortas ressuscitam, as cortinas voam e uma música sublime veste suas notas musicais mais translúcidas, envolvendo-a num amoroso abraço.
Depois disso, já cansada de tanto esperar pelo proprietário, a casa resolveu despejar pessoas e sentimento intrusos e ficar sozinha por um bom tempo. E esvaziou-se completamente.
Depois de várias noites de insônia, fez uma descoberta: a de que é hospede e proprietária de si mesma. E que não adianta esperar por ninguém para tomar posse dela própria. Assim, após esse reconhecimento e com os devidos cuidados, poderia abrir-se para os outros. Na verdade não é uma grande mansão, mas é a parte mais nobre do ser: o coração humano.

sábado, 19 de novembro de 2011

Entrega...




                                                                                                                                                                 Maria J Fortuna

Tenho observado que no adiantado das horas nos meus dias na Terra, o momento para mim mais gostoso é aquele no qual descanso meu corpo na minha velha cama todas as noites. Nada tem se comparado a isso em matéria de alívio, conforto e bem estar. Então, uma vez saída de um banho morno e deitada sobre a superfície macia do colchão, realizo a minha prece de agradecimento e entrega
- Senhor, recebe meu corpo cansado, como se eu estivesse nos Teus Braços... Agradeço por este momento de entrega, na confiança em Ti e em mim mesma.
A sombra da insônia tem se desfeito ultimamente, e fico imaginando anjos massagistas cuidando dos meus nervos e músculos tensos, fazendo desaparecer os nós dolorosos que a convivência com outros seres humanos muitas vezes provocam. Imagino que cuidam dos meus ossos para evitar estado mais que poroso. Abandono-me então aos cuidados dos seres de asas perfumadas que me abanam a pele e refrescam o que me arde na alma. São asas de arminho que em seu farfalhar, iluminam-me corpo, restituindo-me a saúde, melhorando o cansaço. Lembro-me então do poeta Al Hallaj que, em seu amor para com o divino, escreveu:
Entre a pele e os ossos Te detenho, o que vai ser de mim se por acaso Te perco?
Nesse instante deixo a solto minhas melhores lembranças! Noite passada, por exemplo, voei no tempo e me vi aos quatro anos de idade de mãos dadas com meus pais, andando por uma estrada estreita no interior do Maranhão numa noite de verão. Morávamos no Sítio Primavera e fomos até nossos vizinhos, cerca de alguns minutos distantes de nós, a pé. O cheiro da mata era forte e ouvíamos o concerto dos sapos coaxando em volta das pequenas lagoas que se formavam com as chuvas. Aqui ali os pirilampos acendiam suas pequenas luzes. Formavam desenho de joias na escuridão naquela estrada sem luz. Eu pensava: Todas são para a Mãe D´água*... Por isso que logo que aparecem, somem...
Havia o clarão da lua que não impedia o balé de pequenas luzes acontecendo aos nossos olhos, já acostumados com aquele espetáculo. Meu pai cantava canções de seresta:
- Lua, manda tua luz prateada despertar a minha amada...
Ao chegar ao sítio do vizinho, deparei-me com um pequeno macaco amarrado pela cintura por uma fina corrente. Ele fazia um barulhinho esquisito cerrando os dentinhos como se tivesse sorrindo. Fiquei fascinada! Aproveitei a animada conversa dos adultos para brincar com o animalzinho, sentindo compaixão por ele estar acorrentado. Não sabia que, por causa do cativeiro durante longo tempo, o macaquinho tornou-se agressivo e podia me morder assim que minha mão encostasse-se na sua cabeça. Meu pai, que assistia a cena de longe, levantou-se e puxou-me pela mão para que ficasse distante do mico de dentes cerrados, numa atitude protetora.
Perto da meia noite, voltamos para casa. O luar estava ainda mais forte e belo! Baronesa, nossa cachorrinha, veio nos buscar abanando feliz a calda. Lembro-me que havia uma cobra atravessada na estrada quando meu pai pegou-me, sonolenta, em seu colo. Aquele momento foi um dos mais reconfortantes da minha vida! Senti acolhimento e proteção naqueles braços fortes, ouvindo as batidas do seu coração e o eco de sua voz grave. Com isso adormeci naqueles braços fortes, onde não havia espaço para medo do escuro, da cobra, dos sapos ou mosquitos. Tão suave quanto o luar foi à entrega nos braços do pai.
Acredito que nessa minha nova fase da vida, em que o corpo, mais do que nunca, reclama uma boa cama acolchoada, tenho consciência do quanto há força e beleza no amoroso acolhimento, como o foi naquela remota lembrança que referenciou, em mim, o quanto é divina a entrega quando confiamos...


*Mãe D´Água faz parte do foklore maranhense. A mesma coisa de Yemanjá, a mulher que habita nas águas,






















sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Faz tempo que eu brigo com o tempo...





                                                                                                                                                         Maria J Fortuna

O maior texto, que já escrevi até hoje, foi sobre um assunto que sempre me intrigou – o velho novo tempo... Nele, confundo tempo com Deus, energia, correnteza, vento brabo, tudo o que passa correndo, e julgando esta abstração estupenda de um mau gosto inexplicável! Pois é capaz de fazer de mim um punhado de células que envelhecem, afastando meus amigos de infância e juventude, levando entes queridos sempre, a meu ver, prematuramente, para lugar desconhecido, e ainda prometendo fazer o mesmo comigo. Sempre fui avessa às aulas de História, porque falavam de um passado, para mim, inútil, que pode ter sido deturpado no relato oral ou escrito dos antepassados. Por tudo isto eu achava o tempo um absurdo eterno, sem lógica.

Finalmente, encontro uma forma, não de compreendê-lo, mas de pará-lo! De uma vez extasiada, nem perceber sua presença... De não questioná-lo, mas apenas permitir que a luz me preencha todas as células, tornando-me atemporal! É isto: o tempo existe para que possamos nos reconhecer na infinitude do Amor! Quem ousa questionar o tempo quando isto acontece?

O estado de amor é a via mais rápida para chegar à transcendência, o que me deixa totalmente fora do tempo. Que me reúne e me faz valorizar o que aconteceu no passado e no futuro. Que me faz reviver a Santa Ceia como se eu estivesse ali, com os discípulos, na presença do Mestre. Contemplar, embevecida, as obras de Da Vinci, como se tivessem saído, naquele momento, do pincel para a tela. Emocionar-me com a poesia de Cecília Meireles, como se as letras ainda estivessem frescas no branco do papel em sua velha escrivaninha. Alegrar-me com as estórias do Sítio do Pica Pau Amarelo recém-escrito por Monteiro Lobato, enquanto eu ainda criança.

O belo é atemporal! O estado de Amor, além de um mergulho no belo, ainda nos faz viver tudo o que se passou no que se passa. E o que se passa no que se passará.

Em estado de amor, não se julga. Reconhece e acolhe a pessoa velha que fui, e a nova pessoa em que me torno a cada instante. Reconhece, igualmente, o outro do mesmo jeito. Assim consigo vislumbrá-lo, por mais inflexível que seja, em seu processo de mudança. Basta que o amor chegue de repente, sem nenhum aviso prévio, com seu jeito profano e sagrado, humano e divino. O tempo não ousa existir quando a gente está mergulhada nele. O tic-tac do relógio nada tem a ver com as descompassadas batidas do coração humano quando ama, pois só o amor vence o tempo...







quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O obscuro




                                                                                                                                                             Maria J Fortuna

Ele tinha um jeito intrigante de se despir das palavras e mergulhar no silêncio. Mas precisava que o verbo o regenerasse dos maus pensamentos. Carecia falar de suas tristezas, desejos e da sua mais remota alegria. Permitir, por um instante, deixar o mausoléu da solidão, imposta ou consentida, para que palavras fluíssem numa linguagem e num código, só dele, na expressão do seu amor pelo belo, pela vida que se manifesta através dos sons das palavras. Não podia deixar o momento escorrer entre os cascalhos e ignorar o ouro bruto que se disfarçava, nos fortes braços de suas lembranças. Tudo o que almejava, além do amor, era reconhecimento. Mas como ser reconhecido se sempre teve dificuldades para expressar até para si mesmo, sua realidade interior? Aparecer, deixar-se mostrar com o ar sombrio, mastigando os mesmos medos. Por causa disso, sempre fora tímido. Como iria agora encarar a vida se as pessoas seriam sempre estranhas para ele? Ninguém era mais obscuro...

Sentia-se possuído por duas personalidades distintas: uma delas firme como rocha, sensata, coerente, que era espectadora da outra, fanfarrona, delirante e inconsequente, que transbordava em fantasias malucas, e em noite de lua cheia, como mulher grávida, não tinha limite, manifestando-se através de imagens coloridas e desconexas. A primeira não podia fazer nada em relação à segunda.

A primeira persona não aprovava a segunda em nada e procurava não se identificar com ela, mas em noite de insônia, a solidão ecoava em seu peito fazendo-o procurar, pelos becos da mente pela segunda, num pedido de socorro! Então ela lhe trazia prontamente a imagem de uma mulher morena, de seios e ancas fartas, perfumada de jasmim, que o colocava maternalmente no colo e, em seguida, se entregavam aos mais libidinosos atos. Depois de algum tempo de luta e desespero, num orgasmo sufocado, vinha o alivio... Então, ele arfava no fundo da cama, com sua espada dolorida numa das mãos e os lençóis regados pelo sêmen que nunca havia transbordado em outra carne que não fosse a sua. Por breves instantes, sentia imensa sensação de conforto, onde seu feixe de músculos e ossos descansava... Às vezes uma lágrima rolava do seu olho direito.

Mas como homem religioso, sua grande questão era: uma vez com a certeza de que nunca conseguiria amar uma mulher de verdade, como faria com suas noites mal dormidas no colo da sua mulher encantada, sem incorrer em pecado? Afinal, o que lhe dava vigor e alivio, era aquela presença da morena, com os seios maduros e ancas maternais, forjada pelo desejo que só ele conhecia. Ela trazia prazer e afugentava seu medo. Qualquer mulher concreta, palpável, humana, era impossível de ser amada por ele! Por isto havia se tornado poeta. Precisava sublimar o erotismo, através de alguma coisa além daquela obsessão que lhe trazia culpa, em noites mal dormidas. Não podia abrir mão da visão da mulher irreal que minorava seu sofrimento e que por isso, naqueles instantes fugidios, deixava transbordar a ternura que não compartilhava com ninguém! O jeito que tinha era deixar-se levar por sua persona louca e se assumir diferente, obscuro aos olhos dos outros. Como se tivesse um aleijão que mantinha escondido. Seria um deficiente social.

Como seria em outro plano, quando se fosse da Terra, como seria? Assim pensava no momento seguinte ao “ato obsceno”. Continuaria na mesma paixão pelo irreal?

A dúvida sempre ficava: a mulher que ele havia tecido em seus libidinosos pensamentos e comparecia a seu leito em suas horas de desespero, era anjo ou demônio? Mas de uma coisa tinha certeza: o pecador era ele e jamais a deixaria!









Uma fábula que faz refletir sobre a desconfiança humana...


Bom presente de Natal!





O Pardalzinho desconfiado

ISBN: 9788571604360

Autor(es): Maria J. Fortuna

Ilustrador(es): Josias Marinho

Dimensões: 14 x 21 cm - NºPág.: 32

Preço: R$15.00

A fábula dá um exemplo de como a arrogância do poder pode assustar e paralisar a quem se deixa manipular por ele. Foi o que aconteceu com Plínio, o pardalzinho que começa a conhecer os mistérios do mundo em seus primeiros vôos. Ele cai no conto de uma ave desconhecida que se auto-proclama deus da floresta. É preciso que uma amizade com o lúcido e velho urubu o leve a desvendar aquele mistério que lhe tirava o ânimo.


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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Mergulho





                                                                                                                                                              Maria J Fortuna


Não há explicações para o mergulho. É coisa que infalivelmente acontece. A gente sente que os fatos obscurecem um olhar cansado... É hora de esticar os braços da alma e acender a luz do coração no fundo do nosso próprio oceano interior, ao nos lançarmos nas águas do desconhecido.




Foram segundos para chegar às molhas escuras... Ali, peixes horrorosos mostram suas carrancas indeléveis. Há sensação de sufoco e a respiração fica tão pequena e apertada quanto um balão murchando por falta de gás. Não há que ficar tanto tempo mergulhado naquele abismo, em que tantos dos nossos fantasmas habitam. Naquele oceano, seres de escamas douradas e prateadas aparecem para aliviar o coração do que está por vir. Ficam um pouco aqui e ali, disfarçando o medo. Quase impossível calcular que criamos aquela população de seres disformes! Estar mergulhado não só em si próprio, mas no grande inconsciente coletivo, na trilha que percorreram nossos antepassados é o que está acontecendo. Não é bem uma noite negra, mas por estarem n´água, as formas são gelatinosas e senti-las é penetrar no pesadelo. Ali tudo é possível de ser imaginado... Depende do cardápio que introjetamos nos primeiros anos de vida. Quando a gente engole, repetindo quase todo o dia, o mesmo cardápio. E por causa disso, passamos a reproduzir o que no fundo da alma não queremos e nem fomos feitos para tolerar.



Chega o momento em que percebemos uma pequena luz, quase se apagando, no coração. É preciso preservá-la. Ou morre-se de vez devorados pelo não ser que criamos. Convém sermos livres, para não deixar que o peso das nossas fantasias impeça o chegar à superfície e dar de cara com o sol, pois o bom do mergulho é o submergir.



Então começamos a jogar fora as assombrações que nos fizeram doentes. É difícil, mas tentaremos fazer isso para sobreviver. É caso de vida ou de morte! Começamos por atirar fora as falsas definições com as quais nos rotularam durante a infância. Depois descartamos as crendices e más interpretações dos livros sagrados. Despejamos no lixo nossos preconceitos e ideias pré-concebidas e tudo aquilo que nos faz esquecer nossa pequenez frente ao mistério do amor. Estamos ai prestes a eliminar muito depressa, o vampirismo da culpa, que tem cara. Enfim, resta agora desgrudar do rosto as máscaras, já sebosas, de nós mesmos. Seria o ideal. Não dá para suportar. Não dá pra avaliar por quanto tempo estavam ali, se revezando, e a gente sem coragem pra arrancá-las. É preciso nadar em direção ao sol, ou à lua, se for noite... Tem gente lunar e gente solar, cada um emerge na paisagem que comunga com as aspirações do espirito.



Não sem dificuldade, fizemos o que a pequena luz do coração nos mandou. Ficamos então mais leves. Não sem antes sentir que as sombras anômalas podem voltar. Mas, depois desse mergulho, podemos encará-las mais tranquilamente.



O mergulho faz parte de nós e não há como deixar de fazê-lo de vez em quando. Porque só assim nos resgatamos. Vestir o auto-amor, que nos faz reconhecer como somos maiores que nossos pesadelos, e o auto perdão que nos traz, em decorrência disso, sempre que necessitamos, aceitar nossa natureza incompleta.



Alguma coisa empurra-nos para cima, mas ainda estamos náufragos e frágeis, como uma borboleta saída do casulo. Apesar de que a Luz de dentro está ficando mais forte e agora entra em comunhão com a luz de fora. Isso nos faz acreditar que, mais uma vez, exorcizamos os fantasmas e voltamos a viver, mesmo sabendo que haverá outros mergulhos...







domingo, 23 de outubro de 2011


Desabafo


Maria J Fortuna










Perco a dor das palavras


A cor das dores


Desato o nó que sufoca


Deixo tocar o violino


Oculto na alma


Aspergindo sons de lírios


Nos suspiros da noite


quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Sugestão para as compras de Natal. As crianças vão adorar!





O anjinho que queria ser gente

ISBN: 8571601259

Autor(es): Maria de Jesus Fortuna Lima

Ilustrador(es):

Dimensões: 14 x 21 cm - NºPág.: 40

Preço: R$20.00

O anjinho Tico apaixonou-se pela vida na terra e queria virar gente. Antes disso, po-rém, ele faria uma viagem de “reconhecimento” do planeta e das gentes pra confirmar mesmo se queria virar humano. Por isso, Tico fez amizade com criança e gente grande, mas também bichos e plantas. Diálogos inteligentes e saborosos, de grande leveza como só uma história de anjo pode ter.

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O caso da sepultura


                                                                                                                                                     Maria J Fortuna



Pensando como iria realizar meu sonho de consumo - um notebook, lembrei-me de que tenho um “lote” no Bosque da Esperança, um cemitério em Belo Horizonte. Fiz o levantamento do preço do “imóvel” e deu mais de quatro mil reais... Com minha nova opção em ser cremada, decidida há uns anos atrás, e a mudança para o Rio de Janeiro, resolvi negociar com o Bosque para ver se eu conseguia, com a venda da cova, ter dinheiro para comprar meu objeto de desejo.

Busquei meu cartão de proprietária, com todas as prestações de condomínio devidamente pagas. Um “imóvel” para alguém que ficará imóvel mesmo, sorri e telefonei para a diretoria do estabelecimento funerário.

- Alô!

- Se senhora... Respondeu uma voz de além-túmulo.

Existe voz de cemitério ou, por coincidência, o homem tinha aquela voz de fim da linha? Perguntei a mim mesma.

- Senhor, gostaria de uma informação, falei meio ressabiada.

- Sou todo ouvido, ecoou a vós cavernosa no fone.

- É que tenho uma sepultura aí no Bosque....hehehe , sorri desconcertada, achando-me idiota por estar tão “cheia de dedos.”

- Várias pessoas tem sepulcro neste estabelecimento, interrompeu-me a voz estranhíssima!

- Com certeza, senhor. Mas gostaria de saber o que fazer para vendê-lo, indaguei de pronto.

- Mas como? A senhora quer vender sua última morada?

- Sim, por que? Indaguei achando que o sujeito não deveria se meter nisto.

- Saiba que tem gente que passa a vida pagando este futuro conforto.... E tem gente que é jogada numa vala da prefeitura para indigentes... Com sua licença, a senhora tão privilegiada, ainda assim quer vender seu “imóvel.”

- Sim, por que não? Não quero este tipo de “conforto” senhor...

- Pense bem, senhora... Sabe mesmo por que deseja realizar este ato talvez impensado?

- Senhor, deixe-me falar... No momento atual eu sou contra sepulturas, o senhor tem alguma coisa contra eu virar pó? Indaguei mais irritada ainda.

- Como pó? A senhora quer dizer cinzas... Mas sepultada, um dia a senhora vai virar cinzas, com certeza. Os ossos são fraquinhos... Vão se quebrando...

- Não quero saber de osteoporose cadavérica, senhor. Quero apenas vender meu túmulo.

- Mas senhora...

- Eu quero ser cremada! O senhor compreende agora? Já tratei dos papéis.

- Hum... Então por que comprou o sepulcro no Bosque? Não temos este serviço... E se eu fosse a senhora não faria isto, insistiu.

- Não faria isto por que?

- Porque o defunto sente a cremação... Falou com uma voz mofada.

- Senhor, se o defunto sente ou se não sente o problema é meu... Respondi, começando a suar com aquela conversa fúnebre, afinal eu serei o defunto...

- Desculpe-me senhora, como espírita tenho obrigação de lhe alertar... Continuou o homem, que parecia muito velho.

- Eu agradeço muitíssimo, respondi, mas... O que ele queria dizer com aquilo? Como espírita devia saber mais do que eu... Será que eu deveria vender minha sepultura mesmo?

- O que o senhor quer me alertar? Indaguei já meio ansiosa pela resposta.

- Que se a senhora insistir, vai acabar se repetindo o terrível episódio do Manoel da Nóbrega...

- Que terrível episódio? Eu assistia a quase todos os seus programas na Praça da Alegria quando menina, indaguei curiosa

- A senhora não sabe? Mostrou-se surpreso e continuando... - Pelo tempo que ocorreu o fato, os que sabem do episódio, se ainda não desencarnaram estão por desencarnar....

Eu me senti quase uma múmia.

- O que aconteceu com o homem, quer dizer com o cadáver do homem, senhor? Interrompi, cada vez mais curiosa...

- O falecido comunicou-se com um medium que psicografou toda sua agonia no sarcófago, durante a cremação... Pigarreou.

- Mas ele não estava morto, senhor? Indaguei já me sentindo um frango no espeto, ou com mais dignidade, a própria Joana D´Arc.

- Os mortos saem muito devagar dos seus corpos... Falou com uma voz mais pra murmurante... Para não dizer apavorante!

Eu estava completamente arrepiada e louca para terminar aquele papo de além- tumulo! Ufa! Que conversa difícil!

- Senhor, diga-me o preço da sepultura e se pode vendê-la para mim por um preço mais barato que as que estão em oferta, só isto.

- A senhora continua insistindo depois de tudo que lhe contei? Indagou com tom de frustração caquética. E completou:

- Não vendemos tumbas antigas, senhora.

- Mas como antiga, se ainda estou viva? Isto quer dizer que nem foi estreada!

- Mas pode ser a qualquer momento... Um frio me correu pela espinha...

- Então, se eu não quero mais ser enterrada, quem vai enterrar-me à força onde não quero senhor?

- Se não tem parentes, pessoas piedosas.... Respondeu, com voz embargada, assoando o nariz como se tivesse chorado. A senhora tem que deixar tudo por escrito.

- Não pretendo partir agora, senhor, retruquei

- A senhora não sabe... Falou raspando a garganta.

Devo estar tendo um pesadelo, só pode, pensei arrepiada

- Fim de conversa, senhor, eu só gostaria de saber se não há esperança de o Bosque da Esperança vender minha sepultura. Vou anunciá-la no jornal.

- Mal lhe pergunte, a senhora mudou-se para o Rio de Janeiro?

- Sim, mudei-me. Por que?

- Mas tem casa aqui em Belo Horizonte, continuou soturnamente.

- Sim, tenho. E daí?

- Por um acaso a senhora sabe onde vai cair morta?

- Com esta, eu desisto, senhor... Suspirei. Como é mesmo seu nome?

- Jeová...

Bati o telefone perplexa. Até hoje estou sem notebook.





sábado, 15 de outubro de 2011

Bom presente de Natal para a criançada!




A sementinha que não queria brotar

Autor(es): Maria J. Fortuna

Ilustrador(es): Regina Miranda
Preço: R$25.00

Como pode acontecer que uma sementinha não queira brotar? Isso pode acontecer com uma sementinha do nosso tempo. São tantos pensamentos ruins que povoam sua fértil cabecinha...E se ela brotar e a mata pegar fogo? São tantos homens que fazem isso. E os agrotóxicos? E se ela for uma planta transgênica e vier a causar mal ao mundo? Não, melhor nem nascer para não correr tantos riscos. Mas do lado de cá, nem tudo é ameaça. Afinal, Nonô, um menino mineirinho muito gentil e conciliador, rebate todos os argumentos da temerosa amiga. Mas ele também acaba sendo vencido pela teima da sementinha e já que não resta outra saída, lamenta e chora a sorte dela. Mas lágrima humana tem muito poder e o destino que parecia definido pode mudar. Lindas ilustrações de Regina Miranda.

Peça através deste site:

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Música




Maria J Fortuna



Quando pisares o solo da música


candeia o coração nessa luz sagrada


Reverencia as estrelas que se espalham


em notas escuras sobre a branca partitura


Esta musa dedilhará tuas emoções


na harpa que abrigas na alma!




Antonio Vivaldi - Storm

Muitas formas de beijar a primavera, de voar em cores embalada por seus ventos, debulhar as contas peroladas dos sonhos em clima de botões que se abrem a todo instante! O coração de Vivaldi transbordou em música... Esta foi sua forma de celebrá-la!

Maria J Fortuna

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Máscaras







                                                                                                                                     Maria J Fortuna




Tenho-as penduradas na parede da minha sala. Imitação canhestra da face humana. Elas me fascinam... Impávidas, com um ar de indiferença. Estão por lá, muito belas. Pintadas com tintas suaves. São brancas, douradas ou prateadas. Com incríveis arabescos desenhados meticulosamente, no fio de um pincel miraculoso! Mas tem os olhos vazados... Como se a alma tivesse fugido. Com isto ficam com semblante empedernido, retratando o que seria total ausência de emoções e sentimentos.

De onde veio este meu fascínio, desconheço... Talvez no exercício de não demonstrar sentimento que agrida ou transborde em ternura. Das dores suportadas sem gemidos e lamentações. Do fechar-se ao olhar agudo e provocante daqueles que são incapazes de decifrar código de amor. Da necessidade de ocultar-se como um gato dentro de um armário escuro. Ou de esconder os espinhos sob as folhas de uma roseira triste.

O silêncio da máscara é instigante, marmóreo, encerrado em si mesmo. Expressão parada no tempo. Imobilidade, eterno disfarce do que nunca quer se mostrar.

A máscara é um grito solto no ar. Ou na parede... Em cima de um móvel. Onde estiver. Se tiver um sorriso pregado nela, este deboche ficará congelado. Bizarrice enrijecida no estático. Na não ação, no sem sentido. Se tiver chorando retratará um momento de dor perene, sem esperança, sem nenhuma possibilidade de mudança. Se tiver um sorrido doce, soará ainda mais falsa nos momentos em que o ódio invadir nosso ser por algum motivo. Parece que zomba do que é frágil e mutável. Do que é humano e reativo.

Por trás da máscara tem sempre uma infância interrompida. Mão carregando pedra com flor, sem saber como fazer uso delas. Peito asmático, pássaro ferido, pranto suspenso na dor.

Um dia o tempo resolve se vingar dela, da máscara... O branco de fundo pode perder o brilho opaco, desbotar as cores. Rachaduras podem aparecer cravando suas unhas no barro ou, de repente, o metal se veja amassado. Pode se espatifar no chão, quebrar ou amassar. E o que pode aparecer por trás dela, só Deus sabe!







quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Amor silencioso...

                 
                                                                                                                                                      Maria J Fortuna



Chegou para justificar minha existência, mas não se permitia ouvir. Na verdade sempre pareceu que nunca deixara de viver dentro de mim. Como o tempo... Seus passos silenciosos visitavam-me no berço quando eu era ainda um bebe recém-nascido. Mas sua presença estava na minha respiração, nas batidas do coração... Éramos um, portanto...

Sem dúvida havia planejado, minuciosamente, a manifestação do meu ser no Seu Ser. De como eu havia de me expressar diante do mundo. De que cor usaria para compor a grande tela da humanidade. De que som seria minha voz na grande orquestra do mundo e como soariam meus passos pelo caminho das estações. Sabia das minhas interrogações e dúvidas, que viriam.

Como todos na Terra, vim do Seu ventre. Sondou as marcas dos antepassados em cada célula do meu corpo e nada pode fazer para limpar a ilusão original que me veio através do sangue, por ascendência. Herdaria, por isto, uma máquina humana mais frágil. Porém forjou meu coração para se abrir às alegrias e o fortaleceu para aguentar as dores e todas as emoções e sentimentos possíveis. Não sem antes confirmar sua Presença e a promessa de ser refrigério para minha alma.

Confiava em que eu reconheceria Seu Filho, que nasceu, cresceu e morreu antes que eu brotasse por aqui, porém é a maior manifestação do Seu Amor, de sua Presença, entre os homens. Pois o verbo se fez carne e habitou entre nós, e caminha de mãos dadas, no Amor, com aqueles que o reconhecem.

Com isto mostrou a face da transcendência, maior do que qualquer outra, porque não se acaba nunca! Sendo inteiramente incondicional deixa-me livre para seguir por ai, neste planeta azul assoviando com as mãos nos bolsos do avental. Revelou que sou fruto de um transbordamento Seu, como todos que habitam a Terra. Deu-me consciência para que distinguisse o joio do trigo. E grandes presentes como cachoeiras, flores e frutos, o encanto da lua e o brilho das estrelas e órgãos do sentido para, em êxtase, sorver toda beleza de sua criação. E que tudo ficasse ai, mesmo que, em dias nebulosos, eu não enxergasse tamanha beleza! E me fez reconhecer na criatura mais carente de recursos físicos e intelectuais, em pobreza extrema, um irmão.

Mostrou que até o escorpião pode ser transformado em remédio. E que as chagas abrem e fecham no corpo e na alma não interessando, para Ele, as cicatrizes, pois as trazia também em seu corpo. Estas seriam mais um sinal do poder restaurador de sua paterno-maternidade. E que mesmo num abismo profundo, na depressão, na perda da fé, na sua aparente ausência, Ele estaria ali, soprando minhas feridas como fazem as mães terrenas. Perdoando as traições e sabotagens que eu faria comigo mesma. Segurando-me a mão para que me reerga no perdão de mim mesma.

E que o tempo é nosso aliado para que eu retorne a Ele, para seu Amor Silencioso...

sábado, 1 de outubro de 2011

Não sei para onde foram os comentários que me enviaram para publicação. Ora vejam, são tão raros e eu ainda os perco. Por favor, reenviem que ficarei muitofeliz!                                                                     

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Não foi em Honolulu que Gaugin viveu, mas no Taiti, onde pintou centenas de nativas. "Sua obra, longe de poder ser enquadrada em algum movimento, foi tão singular como as de Van Gogh ou Paul Cézanne. Mais do que um conceito artístico, representava uma forma de pensar a pintura como filosofia de vida".



Coisas da alma...



                                                                                                                       Maria J Fortuna



Era pra eu estar escrevendo sobre Barcelona... Mas hoje estou inquieta com as notícias que me chegam pela TV. Com isso, não sei onde escondi uma poesia que andei escrevendo durante * o passeio por aquelas paragens. Quando isso acontece, fico que nem leão, naquela jaula apertada, que eu nem sabia, quando pequena, porque o felino passava de lá para cá, até cair exausto, coitado... Era por causa da sua liberdade roubada pelos humanos... Os seres que buscam a liberdade, incluso o homem, não podem viver definitivamente sob a ditadura dos códigos da moral e bons costumes.

Por isso eu creio que minha aspiração por embarcar a outros recantos da Terra é muitíssimo válida. Meu ímpeto é de percorrer uma longa estrada sem curvas. Aquela que se perde no infinito... Até descobrir que o fascinante é dobrar nas curvas que a gente não sabe para onde vão, nas encruzilhadas que desafiam o espirito.

No meu caso, o ir e vir na jaula do leão é escrever sem parar, até que o sono chegue, já que, no momento, não posso viajar nem dentro de mim mesma. Mais uma vez renovo a promessa de que não vou mais ouvir os péssimos noticiários dos nossos canais de TV.. Poupar-me-ei das coisas que ferem o coração. E me indago por que temos tanta vocação para o sofrimento? Por que, de vez em quando, flagro-me entrando num beco sem saída. Por quê? A intuição me avisa, mas teimo em não ouvi-la, por quê? E aí penso nas minhas viagens...

Quando visitei os Jardins de Monet e as rosas de Versalhes, pensei: é muito ruim ir embora. Seria tão bom ficar ali, curtindo aqueles jardins da velha casa do gênio pintor e assistir * ao desabrochar das rosas de Versalhes... Como é boa a sensação de que * é importante viver e aprender, estando ali, naqueles recantos da Europa, inteiramente sem compromisso... Passear no Jardim de Luxemburgo, na França, assistir ao por do sol no canal de Florença, na Itália, assistir à dança * flamenca nas cavernas dos ciganos lá em Sevilla, na Espanha, ou navegar no mar azul rumo as Ilhas Gregas... E tantos outros belos recantos mais! Podia eu ficar por ali, esquecida de voltar, como se não existissem problemas, e a alma se alimentasse apenas de novos lugares com suas histórias... Com a beleza das novas pessoas e as magníficas obras de Arte dos diversos Museus.

Imagino que Gaugin resolveu abandonar a família para ir morar com as nativas de Honolulu, para salvaguardar-se da normose da sociedade onde vivia. Assim como os monges e monjas, deixam ainda vivos, a Terra, para viverem unicamente para o grande Amor Divino. Tal como Charles de Foucault partiu para o deserto e ali viveu até o final dos seus dias.

O que quero dizer é que estou um pouco cansada de solitárias viagens interiores, das grandes reflexões, dos parágrafos difíceis, das teorizações. Talvez seja por isso que não consigo encontrar aquela poesia escrita no caminho de Barcelona. Se bem que, em poesia, não se teoriza. Valeram os versos que fiz ao vivo, na viagem, em contemplação viva ao belo. No fundo, quero * libertar a poesia do papel. Deixá-la no coração, aquecida pelas boas lembranças.







domingo, 25 de setembro de 2011




"Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro se esquecem do presente de forma que acabam por não viver nem o presente, nem o futuro. E vivem como se nunca fossem morrer... e morrem como se nunca tivessem vivido."


Dalai Lama

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Transmutação



                                                                                                                                                          Maria J Fortuna



A alma possui um corpo forjado por aqueles que participaram de sua formação como pessoa. Imagino a dança dos cromossomas trazendo, em cada um, sua carga genética que constrói o caráter dos que vem a este mundo. Gosto de pensar no sopro divino que anima cada um em particular, sua matemática cheia de lógica, o jogo genético que vai se delineando no ventre materno com traços que vem de tão longe... Cada um de nós é um poema escrito pela vida. E daí a pergunta: Quem será o próximo que está sendo preparado para vir ao nosso encontro? E o que trará consigo e o que deixará no mundo quando se for? Ou seja: Quem somos nós e o que deixaremos, em nosso planeta, para os que aqui estão e, em sua partida, o que irão deixar? O que vamos acrescentar, somar?

À medida que o tempo passa, alguns desses pensamentos suscitam várias formas de respostas. Ou será que elas são fruto dos anos que testemunham a luta pela sobrevivência? E do esforço por crescer na convivência com a insegurança, filha do medo? Mas é este sentimento de insegurança que nos faz mover em busca da luz. A vida é um paradoxo. Sinto-me na reflexão acerca de tais pensamentos. Sei que é necessária a consciência desse apelo cósmico para crescermos, tal como a semente rasgando o seio da terra para sentir a luz do sol. Um apelo intrínseco à natureza humana. Ultimamente venho sentindo, cada vez com mais intensidade, o quanto este nosso mundo é virtual! E quanto devo ser eu mesma para que não me perca do caminho. O drama da Terra parece palco onde se desenrola a história de amor de um temido bruxo por certa bela fada. Por isso temos necessidade da herança deixada pelos melhores seres humanos que viveram antes de nós. Porque sabemos que todos nós vivemos estas polaridades.

Existimos e passamos para os outros a experiência de vida impressa em nossos corações. Ação e suas consequências. Percebo que há um apelo forte para reconhecer e acolher aquele que nos referencia como pessoa. E a importância do discernimento: ser, e não ter e parecer, para que não nos percamos no falso, na ilusão. Coisa difícil no mundo capitalista. É como se o bem e o mal fossem trançados pelos cabelos da vida definitivamente. Saber conviver com os ganhos e perdas. Ter coragem mais para ganhar do que para perder... Vigiar e orar para que os momentos amorosos não se percam por causa do medo e da negação de si mesmo, é fundamental. À medida que o mundo proporciona às pessoas a perda de si mesmo, mais aumenta o apelo para a busca e encontro com o nosso eu verdadeiro.

O que fazemos com os traços de caráter que estão impressos na alma, desde a fecundação? E o que faremos com nossas lembranças? Se boas, é bom que fiquem aninhadas no coração; se más, temos o ímpeto nos livrarmos delas o mais depressa possível. Muito difícil transformar dor de mágoa em gozo de amor... Quando a alma suga muitas tempestades e fica encharcada, há uma grande necessidade de desaguar. Mas isto só ocorre se não nos apegamos àquela dor que, com o tempo, torna aquelas águas insalubres. Só o pranto, às vezes, não dá para que esvazie e dê lugar às coisas vivas, por causa do apego, porque este, como a insegurança, é também filho do medo. Mas é preciso escoar, torcer as mágoas como o fazemos com borra de café. Para que nos transformemos, como aqueles grãos colhidos, amassados e triturados, mas transformados em bebida acolhedora em sua negritude morna e gostosa. Por isto o gosto de se reinventar, criar!

Cada um há de encontrar suas respostas. Mas é certo que sinto que, de uns tempos pra cá, tenho pensado muito que sou responsável, não só pelo meu próprio crescimento, mas também pelo o do outro. É a consciência, cada vez maior de que somos iguais em nossas diferenças. E agradecida às pessoas que colaboraram pelo que sou. Tanto de bruxa quanto de fada, pois o sangue venoso e arterial ocupam o mesmo corpo que se transforma a cada momento. Por isso gosto tanto do que disse o filósofo Sartre: “Não importa o que fizeram de mim, o que importa é o que eu faço como o que fizeram de mim!”.







terça-feira, 20 de setembro de 2011





"Não creia que os animais sofrem menos do que os seres humanos. A dor é a mesma para eles e para nós. Talvez pior, pois eles não podem ajudar a si mesmos." (Dr. Louis J. Camuti)


sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Um pássaro é um pássaro...



foto e texto
                                                                                                                 Maria J Fortuna



Um pássaro é um pássaro, uma flor é uma flor. Por que para o ser humano é tão difícil ser ele mesmo? Parece uma pergunta idiota, de quem não conhece sua própria natureza e as dificuldades cognoscíveis ou não, por que tem que lutar para conseguir tal intento? A pergunta poderia ser: por que criamos, ao longo do tempo, tantos obstáculos para a realização plena da nossa natureza humana? Sabemos que logo que a luz se faz a nossos olhos, já estamos às voltas com nosso próprio temperamento, que se a princípio não aceito pelos pais, contribuirá para nos transformar num desastre! Depois vem a família, religião, valores culturais que ajudam ou dificultam o autoconhecimento. Isto todo mundo sabe, mas aí me vem outra pergunta: que espaço temos para sermos livres de dogmas e preconceitos em nossas vidas? Sim, porque para que haja autoconhecimento precisamos, acima de tudo, de liberdade.

Durante muito tempo li muitos livros e textos de Jiddu Krishnamurti. Este Mestre foi o grande responsável pela quebra de paradigma de muitos dos meus companheiros na década de sessenta. E o que me encantou nele foi a força interior que o fez se negar a ser o veículo para o "Instrutor do Mundo". Krishnamurti, no entanto, não tinha compromisso com nenhuma linha filosófica ou religiosa, não sendo do Oriente nem do Ocidente, mas para o mundo todo. Declarou ser a verdade "uma terra sem caminhos", à qual nenhuma religião formalizada, filosofia ou seita daria acesso. Só tinha compromisso com ele mesmo. Imagine a revolução interior, a ausência de referência quando, de repente, uma pessoa referenciada por crenças e dogmas judaico-cristãos, se depara com tal proposta de liberdade? Krishnamurti afirma que é possível produzir mudanças fundamentais na sociedade, apenas pela transformação da consciência individual. Isto me lembra a proposta de Paulo Freire sobre a importância da necessidade de uma pedagogia dialógica emancipatória do indivíduo oprimido. O que nos oprime afinal? Por que temos tanto medo da liberdade?

Neste mundo moderno está cada vez mais difícil o indivíduo ser autor de sua própria história. No apelo do consumismo, na luta desvairada pelo poder, na correria da sobrevivência, estamos nos perdendo. As máscaras se sucedem, conforme as conveniências e, cada vez mais, ocultam a nossa própria verdade. A violência, a exploração e a injustiça estão presentes o tempo todo, sem data para acabar.

Enquanto tudo isto acontece, alguém acorda absolutamente ausente de si mesmo e, neste estado, consulta o horóscopo do dia, toma um desjejum às pressas, pega condução para o serviço. À noite, ao chegar em casa, liga a TV no noticiário do horror, assiste à novela da onda e vai para a cama dormir ( se conseguir). Acorda no dia seguinte, quando tudo recomeça...

Quem é esta pessoa? Não faço a mínima idéia... Nem ele próprio.



sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A turma do Jardim Laranjeiras

                                        circodaspulgasduda.blogspot.co


Maria J Fortuna




A criançada estava reunida num terreno baldio ao lado do prédio onde meus pais moravam. Cacau, minha sobrinha, que na verdade se chama Claudia, estava no meio deles. Havia criança de 4 a 10 anos. Aquele terreno, que com sua garganta suja, mostrava os restos mortais de uma antiga casa demolida, era o refúgio da meninada que morava nos prédios circunvizinhos. A brincadeira corria solta quase toda tarde, até quando uma das mães pendurava-se na janela do prédio para chamar o filhote, por que era hora do banho ou do jantar.

Aquele dia turma se reuniu para alimentar uma grande aquisição do grupo: um pintinho, que estava mais ou menos com uma semana de vida, e que já mostrava algumas tenras penas saídas do corpo frágil, amarelo, cheio de penugens. Mas... Mal chegaram ali, viram o pequeno projétil de ave, deitado com as pernas pro ar com os minúsculos pés embolados. O pintinho havia falecido! Foi uma tristeza...

Começaram os preparativos para o enterro da avezinha. Um dos guris buscou uma caixa de sabonete Phebo, que a mãe de algum deles conservava em seus guardados. Outros percorreram a rua para colher flores, a fim de cobrir o corpo e a sepultura do Piu Piu. Era assim que eles o chamavam. Isto porque não sabiam seu sexo. Poderia ser um filhote que viraria alguma galinha gorda, que o grupo, na certa, protegeria da faca. Ou um galo, que se tornaria rei do terreiro. Mas que terreiro? Aquele pintinho deve ter saído de alguma caixa durante a feira que acontecia as sextas e ali todo mundo morava em apartamentos, não dava para acolher o pintinho que talvez tivesse vindo de uma chocadeira. Será que o coitado não conheceu nem mãe, nem pai? Era o que os meninos se indagavam. Algum vendedor de aves se descuidou. Difícil encontrar lugar pra ele que não fosse o tal terreno baldio, sob a proteção da turma.

Depois, dois dos garotos cavaram o chão cheio de cacos, tijolos e vidros da antiga construção, e Piu Piu foi então enterrado perto de um pequeno mamoeiro, que teimava em crescer por ali, naquelas condições precárias, sem água nem nada.

Aí começou a choradeira... As meninas choravam aos borbotões. Os meninos faziam cara de macho: -“Homem não chora! Só se for um bebe!” Puseram uma cruz de pequenos galhos de árvore, amarrando-os com linha do costureiro de alguma outra das mães, e cercaram a sepultura do animalzinho com pedrinhas, no formato de coração. para não esquecerem onde Piu Piu havia sido enterrado.

Em meio à cerimônia do enterro, surgiu Neném, de 4 anos, conhecido por este nome porque ainda usava chupeta. Neném entrou assim meio desconfiado, puxando um carrinho de plástico cheio de pedras. Até então ele estivera viajando com sua família.

Aproximando-se cada vez mais e olhando para os amigos mais velhos, o guri parou, curioso e, em seguida, ficou ali de pé, embaixo do pequeno mamoeiro, impávido! Então, uma das meninas carpideiras, depois de um longo suspiro, ao perceber a presença do recém- chegado, indagou:

- Neném, você não vai chorar?

E ele, cruzando os bracinhos e fazendo cara de amuo, falou com raiva:

- Não vou chorar não.

- Mas por que, Neném? Indagou a turma em coro.

No que Neném respondeu com um ar preocupado:

- Ora, eu não conheci o pintinho!



Esta crônica foi publicada no Jornal João do Rio, onde ocupo um espaço
http://www.joaodorio.com/site/index.php?option=com_frontpage&Itemid=1

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