domingo, 27 de março de 2011

De quem era aquela saudade?


Maria J Fortuna


Acordou com saudade de alguém, mas não sabia de quem se tratava... Procurou relembrar os amigos, mas não estava entre eles a pessoa a ser procurada. Depois, ressuscitou a lembrança dos parentes falecidos... Nenhum retorno. Aquela saudade não era de nenhum deles. Apesar de que a sensação de ausência também era de vácuo, nos dois casos. Aquela saudade não tinha cheiro nenhum e parecia muda. Lembranças são sempre rumorosas e, às vezes, luminosas. Mas aquele sentimento era obscuro e inteiramente silencioso, sem palavras, música ou perfume... Não havia definição para ele.


Estava cansada daquela vida de quebra-cabeças. Dos esboços que não viravam desenhos, apenas se insinuavam. Enfastiada de expressões que não tinham sentido. E das meias palavras dos que diziam lhe amar. Queria alguém que ouvisse sua verdade por inteiro, de forma amorosa, sem julgamentos. Com quem ficasse a vontade... Talvez estivesse com saudade de Deus. Mas Ele só aparecia nos momentos gloriosos ou de tristeza profunda. Nem que fosse para negá-Lo.


Na verdade aquela saudade tinha a ver com gente encarnada. Com ausência de toque. Mais do que isso: com a necessidade de toque também na alma. Queria repousar e confiar no colo de alguém, que esperava durante toda a vida e suspirava pelo encontro. Não gente que fizesse joguinhos de entra e sai nos seus dias na Terra. Alguém fiel, que pudesse deixá-la livre, sem cobranças ou pedidos de justificativas, nem convidá-la a discutir a relação. Estava cansada de explicações pessoais ou por telefone. Buscava alguém que soubesse apenas recebê-la e ouvir as alegrias e lamentos do seu coração. E que fosse tão louco e imperfeito quanto ela. Mas que o encontro fosse olho no olho, depois um silêncio alimentado pelo afeto, pela verdadeira presença. E que fosse um descanso na brincadeira de esconde-esconde dos jogos humanos.


Também não era de sexo aquela saudade. O que mais se assemelhava com o tal sentimento, era a lembrança das mãos macias de sua mãe dando-lhe um banho de gamela, quando era menina. O jeito carinhoso de passar-lhe sabonete cheiroso em seu corpinho cheio de marcas e manchas das diversas travessuras. E de massagear-lhe a cabecinha de cachos loiros. E ainda do perfume que se desprendia do frasco de Alfazema, aplicado atrás das orelhas, toque final do banho. Ah! Se pudesse deixar seu corpo cansado cair no regaço materno ou de alguém a quem confiasse... Mas acontecia o contrário: a vida atirava em seu colo, gente adulta, pesada demais para que ela tivesse condições de sustentar. Gostaria de ser amada e protegida por alguém.


Tampouco era saudade de si mesma. Já havia reconhecimento bastante de todo seu caráter por si mesmo. Já havia acontecido diversas metamorfoses e ela tinha consciência de que ainda haveria outras, caso sobrevivesse. Não tinha jeito de guardar aquela saudade tão incomoda ao seu coração.


O jeito que tinha era aceitar a incompletude de si e do mundo, e esperar... Aquilo logo passaria e ela seguiria adiante...

segunda-feira, 21 de março de 2011

No espelho





Maria J Fortuna

Ela não sabia quase nada a respeito de si mesma. Não sabia se era menina, mulher feita ou anciã. Eli, o terapêuta, a havia colocado em frente ao espelho de sua grande sala, onde recebia os que estavam náufragos vestidos de deuses para se proteger.
O espelho lhe contava alguma meia verdade a respeito de si mesma, como aquela de que ela era uma aparente donzela de vinte e poucos anos, vestindo uma saia godê estampada, calçando meias de lã até os joelhos, como as crianças, e usava blusa preta própria das senhoras de mais idade. Trazia cabelos desalinhados, nos ombros, em cachos. Olhos negros brilhantes e uma imensa expressão de tristeza no rosto sem pintura. Dificil até advinhar-lhe a idade.
Aquele confronto consigo mesma, por mais penoso que fosse, seria mais do que recolher seus pedaços rasgados ao vento, mas a luta pela própria sobrevivência! Ela não tinha a transparência das asas da mariposa, mas o que pudera enxergar de si mesma era como uma imensa borboleta azul, aprisionada ao silêncio, em meio do vozerio. A fragilidade de suas asas não queria ver a luz do sol! O que movia a ação não era poesia, mas a nostalgia de uma beleza perdida.
Uma hora diante do espelho nada lhe dizia... Já estava cansada, queria sair dali, o mais depressa possível! O difícil não era olhar tanto tempo para sua própria figura, mas não compreender quem ela era à luz da verdade. Por que se escondia tanto de si mesma? Onde havia se perdido? Em que tempo, em que esquina ou túnel da vida havia trocado as vestes da alma?
Definitivamente, não dava para se perceber a si própria diante do espelho... Foram anos no cárcere e a perspectiva de mudança congelava-lhe o coração. Quebrar o espelho não resolveria. Em cada pedacinho dele sua falsa imagem seria refletida. Sair de frente do cristalino também não seria a solução: perderia pra sempre a oportunidade de ver-se, com verdade e inteireza, e continuaria para sempre a vivenciar a superficialidade em sua caminhada existencial. O que é motivo para muito mais sofrimento...
Mas aquelas horas não estavam perdidas. Graças à fluidez do tempo. Seria a primeira vez que se via como interrogação ou incógnita. Fora-lhe lançado o desafio de trocar as asas pelas mãos e, com elas procurar, no fundo do seu poço interior, sua verdadeira identidade. Mesmo que durasse toda uma vida! Em nome disso, seriam rompidos vários fios da teia que a sustentava. Os fios mais grossos eram mais fáceis de serem rompidos. Escondiam os mais tênues, perigosos, encobertos por um brilho falso e sutil. Estes sim eram assustadores e dolorosos de serem rompidos, devido a que ocultavam a face da beleza de se ser o que se é.
Esse confronto com o espelho, como sinfonia cheia de acordes, pinceladas com borrões, e tudo mais, a fez observar a mulher, lutando para mostrar-se a si mesma, aos pouquinhos, no silêncio, no que há de verdadeiro, no que é.

terça-feira, 15 de março de 2011

domingo, 13 de março de 2011

Tsunami




Maria J Fortuna


Desde pequena nunca ouvi falar dos terremotos no Japão. Para mim era um país tão distante que mais se escondia nas asas do sonho... Era quase atração turística passar pela casa dos japoneses que moravam em São Luís do Maranhão. Um dia dei de cara com um. Foi difícil perceber que aqueles olhinhos oblíquos, escondidos lá no fundo da cavidade ocular, estavam realmente me olhando... Sensação esquisita de que aquele menino não era um menino, mas uma espécie diferente de gente. Lembro-me bem disso.

O tempo passava e a mesma impressão se repetia: o menino de olhinhos quase fechados podia estar me olhando, mas eu nunca tinha certeza. Será que sentia o que eu sentia? Pensava pelo menos parecido com o que eu pensava? Será que chorava se lhe xingasse ou batesse? Como era a vida daquele menino amarelo? Ele era uma surpresa maior do que a menina ruiva, da minha rua, que comia maçãs na janela. Primeiro que maçãs eram raras no nordeste; outra que ninguém tinha cabelos vermelhos por ali, na vizinhança ou na escola.

Até o nome do menino japonês era esquisito: Takamura. Isso é lá nome de gente? E como conseguia falar português de forma tão clara, sendo que seu pai trocava o r pelo s? Dizia cala, em vez de cara e falava Malia, em vez de Maria? O menino era uma verdadeira incógnita na minha cabeça de seis anos de idade. Nunca pensei que se fosse eu a viver no Japão, seria certamente a esquisita.

Mais tarde conheci Haromi, que era da minha sala no ginásio. Aí era diferente. Em primeiro lugar, era uma menina e ainda simpática e extrovertida, que conversava sobre coisas comuns a todas nós. Diferente de Takamura que devia se sentir diferente. Além do mais eu já estava com 13 anos.

Passado algum tempo, minha filha Fernanda conheceu uma japonesinha no Canadá, que se chama Mai e não sabia abraçar as pessoas. Mas Nanda lhe ensinou e ela ficou tão feliz que passou a chamá-la de “sister”. Até hoje é assim.

Agora as placas tectônicas estão se deslocando no oceâno pacífico e centenas de olhinhos apertados, de todas as idades, estão sofrendo os horrores do tsunami. Meu coração está triste como criança que se perdeu da mãe... Porque não posso fazer nada. Onde estará o garoto de olhos puxadinhos? E Haromi, será que voltou para o Japão? E a Mai que aprendeu a abraçar as pessoas no ocidente? E as centenas de mães e pais, avôs e avós? E as pessoas jovens, e as que estão enfermas, e outras que são deficientes?

Amarelos, brancos, negros, índios, estamos todos sujeitos às intempéries. É hora de esquecer as aparências, os antigos conflitos de raça, religião e outros tantos preconceitos que separam os povos. Não só nas catástrofes podemos ter compaixão e sermos solidários. A solução é dizer sim à unidade e não a separatividade.




sexta-feira, 4 de março de 2011

Amigos, podem enviar para mjfortuna@terra.com.br, o enderêço de email de vocês.

Viva o carnaval brasileiro!








Maria J Fortuna

Começa na noite de hoje, sexta feira, o esperado carnaval! Gostaria de ter grana para ver o desfile das Escolas de Samba, ou pique para participar de um bloco de rua. Um desses, cujo nome faz gente pensar em besteira... Aqui no Cosme Velho ou Laranjeiras onde moro tem o Chupa, mas não baba. Outro concorrido é o Sovaco do Cristo e o inconfundível Bloco do Bola Preta.

Sempre adorei carnaval. Outro dia assisti no jornal da Globo, o Bom dia Brasil, um espetáculo que me deixou emocionadíssima! Uma filmagem em câmara lenta, de uma Escola de Samba, com imagens e sons extraordinários! As gostas de chuva, acumuladas no tambor voaram docemente pelos ares, quando o sambista descia a mão com vigor e alegria no couro do enorme tambor! Aquele instrumento mágico de precursão, que faz rebolar gregas e troianas... Tal como o suor que deslizava no rosto do instrumentista!

Tudo começa quando o puxador do samba dá aquele grito “ de arrepiar a alma”, como disse uma foliona na reportagem do jornal! Aquele grito que ecoa no útero da gente, como diz a moça que trabalha aqui em casa.

O carnaval junta todas as raças, todos os tipos, especialmente o negro’, que brilha, o tempo todo, no evento onde a turma dezestressa! Junta todos os credos e, se chega alguém de fora, aceita todas as nacionalidades e religiões. Quem já não sambou rezando? Eu já. Dezestressa o que se acumulou durante todo ano com nota dez!
Carnaval é poesia pura! É a vida que se esparrama, colorida, pela avenida! Beleza! Quase compus um sambinha. Não tem espetáculo mais envolvente e gigantesco, onde todos participam com a mesma intensidade.

Mas todo este meu entusiasmo não é capaz de me levar para o sambódromo, muito menos para acompanhar sambando o Bola Preta. Vou dar plantão. Ficarei em casa desenhando e escrevendo, pois o dever me chama. O dever é fazer companhia para uma velhinha de 100 anos, ex foliona, que pendurou as chuteiras há muito tempo... Gravarei o incrível espetáculo das Escolas de Samba, principalmente da Mangueira, que sempre foi meu xodó, e no dia seguinte bem dormida, assisto ao espetáculo. Que consolo!

Para os que estão com sorte de não ter compromisso, feliz Carnaval! Pulem, brinquem, joguem as mazelas pra longe! Apreciem as cores da alegria. Quem souber fazer isso está certamente na bemaventurança.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Aviso aos amigos

Fiquei muito tempo sem PC e não pude salvar os enderêço dos amigos e leitores. Peço que me enviem pelo email mjfortuna@terra.com.br Obrigada.
Estou muito feliz por estar de volta. Aguardem novas postagens!

Um grande abraço em todos vocês!

Carinhosamente

Maria J Fortuna

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Sou alguem preocupado em crescer.

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