sábado, 30 de junho de 2012

A fecunda curiosidade


                                                   
                                                    Desconheço o autor



                                                                                   Maria J Fortuna

Dizem que gato não gosta de água, mas a minha Mia pede, todas as manhãs, para abrir a torneira do tanque, a fim de que tome seu banho matinal. Quando sai dali, ela lambe o pelo, que fica bem lustroso, principalmente quando o sol envolve seu corpinho negro e a claridade deixa-lhes nos olhos um verde muito claro, com aquele risquinho no meio, se é dia. Então, tenho o cuidado de fechar bem a torneira, antes que desperdice água. Hoje, me peguei pensando em toda a frescura e transparência que aquelas gotículas trazem á área de serviço do apartamento. Elas, reluzentes, se unem e se dissolvem uma nas outras, de forma que correm aos borbotões, tornando-se um só elemento. A maioria de nós ignora a origem do milagre! Mas sempre ali estão, derramando bênçãos, pelos canos das casas.
Gotas que formam oceanos levam-me a pensar no que, além de água, alimento e amor, nos move na alegria de estarmos vivos neste mundo. E que não pode se acabar nunca dentro da gente. Alguma coisa que, tal como esse precioso liquido, seja indispensável para se viver o espetáculo da vida. . Não precisei pensar muito. De imediato, senti que a resposta é: a curiosidade! É este o grande veículo que nos leva à busca incessante da percepção do mundo. E das coisas visíveis e invisíveis que existem. O dia em que esta cessar, estaremos mortos.
O saber vai brotando como pequenas gotas da torneira e sendo absorvido por aqueles que o procuram. Mas precisamos absorvê-lo como a água na penugem de azeviche da Mia. A ânsia da alma em conhecer sempre, somar, acrescentar, crescer à medida que buscamos viver melhor.
Uma das formas de conhecer alguém é saber a cerca de sua curiosidade. Alguns a saciam lendo matérias a cerca da vida das celebridades da TV; daí o sucesso da revista Caras e programas de fofoca. Infelizmente é a mais comum das curiosidades. Principalmente quando o povo necessita de assistência no campo da educação. Outras querem se inteirar sobre o que ocorre em casa do vizinho. Ambas estão no mesmo patamar. Alguns buscam noticiário político, outros se informar dos espetáculos de teatro e cinema. Uma quantia razoável,  conhecer filosofia, arte, ciência. Outros, assuntos transcendentais. Um pouco mais de pessoas sentem que todas essas matérias estão interligadas e a busca vai mais além.
Quando eu trabalhava no sistema de saúde do governo, procurava saber o padrão de curiosidade dos meus pacientes. Assim acabava por conhecê-los melhor. Infelizmente, os mais questionadores eram tidos como mais problemáticos. Para eles aceitar as normas do Hospital e a correria do atendimento era sempre mais difícil.
Contudo é fascinante saber que, por mais que tenhamos idade, aumenta o volume de perguntas nesse Infinito caminho do que não conhecemos! Que, por sua vez, é proporcional a nossa inesgotável curiosidade! Quanto mais curiosos, mais vivos estamos. É algo que vai aumentando à medida que o tempo vai se passando. Quanto mais respostas, mais perguntas. A vida de todo mundo na Terra é pouca para o volume de questionamentos. Ainda assim o Mistério, o Desconhecido vai provocando mais e mais perguntas! E para não entrarmos num estado de ansiedade perene, há que comemorar o que sabemos e ter a consciência de que será sempre assim: um caminho sem retorno. Ou então negar os fatos para não fazer mais perguntas. Salvo ser acometido por uma doença terrível como o Alzheimer.
Como chamar de velho alguém que, à medida em que os anos passam, fica tão mais curioso das coisas desconhecidas do mundo? Alguém que vibra com uma resposta, depois de longa ou pequena procura e sente que nada sabe, mas ainda tem que aprender nesta vida? Quem é o velho? O que parou no tempo e, por algum motivo perdeu a curiosidade, ou aquele cuja existência tornou-se uma desafiante interrogação, sem ter certeza nenhuma de resposta aos 60, 70, 80 anos e daí por diante? Fica a pergunta.

 

















quinta-feira, 21 de junho de 2012

Fragilidades



                                                                                                                      Maria J Fortuna



O vento indelicado, que sopra sem endereço, é capaz de despetalar uma rosa num segundo. O tempo é o vento, bem ou mal- humorado, que vai fragilizando o corpo e fortalecendo a alma de quem se interessa em desabrochar nessa nossa jornada pela Terra.    Um dia, fatalmente, sentiremos a erosão que se anuncia com dor nos ossos, mesclada ao desejo de ser feliz, apesar de tudo.  Aí seria muito bom que evitássemos a exposição às grandes tempestades emocionais, que trazem conflito entre nós e as pessoas que dividem conosco as fatias do tempo. Mas isso é tão impossível quanto deixar de questionar o que fazer quando as últimas pétalas da rosa caírem.
Não confundindo fragilidade com fraqueza, penso que nós, seres humanos, somos um eterno desconhecido de nós mesmos, até quando o corpo se cansa de caminhar nas multidões ou nos desertos da vida.  Os mais prudentes ou corajosos, conservam a lanterna interior acesa, o que alguns chamam de lucidez. Mas a grande maioria, em suas fragilidades, alimenta-se de crenças e dogmas que os mantêm longe do Desconhecido. E sem ele a vida não mantém o significado do amor e da esperança.
  Temos a pretensão de achar que conhecemos o outro e isso é ilusório. É próprio de  quem desconhece a si mesmo, e, portanto, não tem hábito de se auto acolher na sua própria  humanidade. Isso se reflete em nosso comportamento para com o outro.  Então sentimos também a fragilidade dos nossos relacionamentos. O outro precisa de tanto de socorro  quanto nosso próprio eu, em sua visão de mundo e do que dele recebe. Muitas vezes alimentamo-nos das cinzas de nossas divergências pessoais associadas ao medo do amanhã.
A consciência da inutilidade do ódio e do ressentimento é um grande começo para conseguirmos paz e tranquilidade, por mais fragilizados que estejamos! Vide Nelson Mandela, por exemplo.  A luz e sombra que trazemos em nós, confrontam-se no dia a dia, com as luzes e sombras de nossos semelhantes, invariavelmente! Bom seria se uníssemos nossas fragilidades para nos fortalecer mutualmente.  Então veríamos, claramente, que tais ressentimentos não acrescentam, mas, pelo contrário, subtraem os melhores momentos de acolhimento em relação às pessoas que poderíamos ter conhecido recebido e amado verdadeiramente. E, se insistimos nos estados de sombra, nossa fragilidade natural aumenta. Daí o recomeçar da luta onde o pobre corpo nega-se a receber as reclamações da alma e não faz o necessário movimento de mudança.  Fica apenas entregue às suas fragilidades a ponto de sentir-se inseguro na possibilidade de ver-se livre de uma culpa recorrente. Vai se tornando uma segunda pele... Tomamos a então consciência de que o ressentimento e a culpa dão mais segurança às pessoas que o amor. Isso é terrível! Libertar-se desse esquema, é ficar sujeito ao amor. Daí tudo recomeça...
Tem tanta flor bonita e formosa para colher, porque preferir as que grassam no pântano das fofocas e discussões estéreis? O res sentimento é cinza que pode se solidificar com as lágrimas de vãs lembranças, feito uma argila preparada para algum uso.   Por que então insistir em mantê-lo dentro de nós? Por que tudo isso acontece se acredito que nem racionais somos?  Somos sim, movidos pela compara-ação. Ou ação de se comparar o tempo todo.  Acostumamo-nos ao barulho do consumo compulsivo,  que traz enorme vazio interior, incapaz de nos amparar e ajudar a deter o inútil fluxo da nossa insaciedade.  Será que não há coisa melhor que nos sentirmos o  tempo todo melhores ou piores do que o semelhante?   Por que não nos compararmos com nós mesmos quando passado um momento, dia, mês ou ano atrás?
Viver é estar em estado de graça e de perigo concomitantemente. É sentir esta mutação constante de todas as coisas e não congelar dentro de si, ressentimentos e culpas para que nossa trajetória não se torne inútil.  É reconhecer a fragilidade do corpo e as infinitas possibilidades da alma. Tal reconhecimento renova-nos o potencial de criatividade. Daí aceitamos a presença do Desconhecido.  Assim nos expressaremos como criança, na fragilidade de nossos corpos, fortalecidos pela simplicidade do verdadeiro espírito.  Pois que se não me parto, quebro ou diluo, nessa vida, não permito que a luz me penetre e me mostre quem realmente sou.






quarta-feira, 13 de junho de 2012

Um presente


Ganhei esta linda formatação do meu poema Música, da minha amiga Mônica Puccinelli que escreve belas poesias!

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Armaduras

                                                                                                                                            


                                                                                                                                                Maria J Fortuna



                    Faz tempo  em que assisti à peça Escuta Zé Ninguém. Foi na década de 70 com Marilena Ansaldi, dançando e fazendo o papel do Zé, aquele que vivia preso e estressado dentro de sua couraça frente à sociedade.  A peça, baseada nas teorias de Willian Reich sobre as couraças que a gente veste, para se proteger internamente no dia a dia, diz muito do Zé que trazemos dentro da gente e que se perde no enorme fluxo das massas. O oprimido, que não ousa desafiar a tentação do consumo capitalista e das novas crenças que aparecem a todo o momento. Zé Ninguém é engolido no anonimato, junto ao povão, seja por medo ou baixa de autoestima.  Apesar da aridez do assunto, houve espaço na peça para a poesia e reflexão. Desde aquela época, eu me encantei pelas teorias de Willian Reich e a descoberta desses “anéis de tensão”, que tanto maltratam o corpo e, sobretudo, a alma. Em outras palavras Reich fez um longo estudo sobre nossas armaduras.
                    Caminhar com esse tipo de proteção não é fácil. Nada tem a ver com máscara, mas não deixa de ser uma forma dolorosamente dissimulada de ocupar espaço no mundo. Apesar de pesadas e medievais, às vezes são encobertas por sutilezas. E quanto mais sutis, mais perigosas. Conheço algumas pessoas que, ao abraçá-las, sinto como se elas estivessem dentro de uma indumentária de ferro.  Um tipo de autoconstrução, que enrijece os músculos e tolhe a liberdade dos movimentos e que é inteiramente ilusório e inútil!  Muitas vezes quando percebemos essa vestidura - denso legado – torna-se tarde demais! Mas ela existe e seria falso dizer que não a vestimos  quando temos que enfrentar alguém  que nos odeia ou despreza.
Num soneto, Antônio Feijó, poeta português, por volta de 1917 escreveu:

Desenganos, traições, combates, sofrimentos,
Numa vida já longa acumulados, vão
Como um paul* contínuos sedimentos
Pouco a pouco envolvendo em cinzas o coração.

E a cinza com o tempo atinge uma espessura
Que nem os mais cruéis desesperos abalam;
É como tenebrosa impávida armadura
                 Ou couraça de bronze em que os golpes resvalam.                   

                    A armadura ou couraça, para ele, é feita de cinzas que envolvem o coração. E cinza quer dizer passado...  Essa inútil barreira, criada e curtida entre o eu e o mundo, surge na infância, quando abrimos os braços para alguém que amamos e ele ou ela não nos recebe. Ou quando aquilo que fazemos espontaneamente vira pecado mortal porque alguém, a que demos demais importância, coloca-nos em situação de constrangimento. Quantos talentos estão sufocados dentro de armaduras... Somente mais tarde, no mundo adulto, virá à tona. A partir daí acontece a percepção das “traições e os desenganos”, de que fala o poeta. Então, encobrimos desesperadamente nossa verdade, tentando proteger a fresta de luz que, por algum descuido, escapa do coração,  com medo que alguém, por algum tipo de maldade, não a assopre. Acho que existem diversos tipos de armaduras. Do papel de arroz ao ferro.  Das necessárias em alguns momentos e a que gruda na alma para o resto da vida.  Mas, “Quanto maior é a armadura, mais frágil o ser que a habita”, diz Pe Fábio de Mello, e é verdade. Isso quer dizer que, mesmo de ferro, com o tempo ela se torna enferrujada e começa a ranger nossas dores. Fora o perigo do sufoco. Mas um dia ela cai, quando menos esperamos.
                    Existe um esplendoroso momento para isso acontecer:  aquele em que, ao encontrar e abraçar um amigo, deixo cair toda forma de autoproteção, porque sou recebida e reconhecida exatamente como sou, sem restrições nem preconceitos. No sentimento de confiança que acolhe e nutre. Posso brincar como criança, chorar a viuvez de muitas perdas, falar de tudo sem preocupação com julgamentos, mostrando-me inteira!  Nesse momento não estou vestida com nenhum tipo de armadura, mas apenas com um par de asas! E são tão poucos aqueles que podemos chamar de amigo irmão ou irmãomigo... Tais encontros como a flor da vitória régia, demoram tanto a acontecer...  Mas há que ter certeza que essa flor virá, ela ressurge sempre ao sol ou mesmo nas brumas de um dia enevoado. Virá com o calor da verdade, que funde qualquer armadura, por mais enferrujada que esteja, porque nesse acolhimento a luz do amor provoca renascimento e esperança!
              

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