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quinta-feira, 30 de agosto de 2012
A respiração do momento
Maria J Fortuna
Zelinha me contou que seu sobrinho de 17 anos estava com câncer na virilha e que se havia generalizado. Pouco depois eu o vi, magrinho, pálido, encostado num poste de luz, pensativo, perto de minha casa em Belo Horizonte. Eu não sabia o que lhe dizer. Fiquei por algum tempo confusa, mas nosso encontro ali seria inevitável! Tão sem retorno como sua breve morte. Ele já me havia visto. Com isso, eu não podia sair dali, sem dirigir-lhe umas palavras. Mesmo porque fugir seria covardia da minha parte. Seria negar nele o meu próprio destino
Pensei um pouco e me aproximei. Sabia que ele tinha consciência do que lhe acontecia, o que iria dizer-lhe? À medida que chegava mais e mais perto, as palavras se atropelavam dentro de mim, como se tivessem dançando no estômago. Surgiu-me um nó na garganta. O coração ficou inquieto, doido pra saltar do peito e sair correndo. Mas estavam ali: o ser e o fato! Como é desconcertante a morte, pensei.
- Oi Jorge! Prazer em lhe ver!
- Obrigado, falou quase sussurrando.
- Você está se sentindo bem?
- No momento estou...
- Você disse tudo, interrompi sua frase bruscamente, com medo de ouvir o resto. Depois me censurei por aquilo. Mas disse-lhe:
- No momento... É o que importa né Jorge? O momento... Tem gente que vive cem anos e não curte o aqui e agora. Cem anos e não viveu nada. Destemperei a falar, repetindo a expressão muito em voga na época: aqui e agora...
- Tem gente que vive tão pouco, mas tão intensamente, que os poucos anos de sua existência foram de como se tivesse vivido muitooooooooo!
Não me lembro de mais nada do que foi digo por ambos. Só do abraço apertado inesquecível, amoroso, em que nos entregamos um ao outro no fim do colóquio.
Muitos anos depois daquele fato, aqui estou diante da minha tia, com seus 102 anos, dizendo-lhe:
- Que bom a senhora ter vivido sempre tão feliz! Importantes foram e são, os anos em que esteve sempre com saúde e alegria! Mas existem momentos, como esse agora, onde a gente fala, uma para a outra que se quer muito bem, né tia?
Disse isso, sentido a comunhão dos momentos que se abraçam, dissolvendo-se uns nos outros, fora do tempo e do espaço, ligados por um só fio: o do sentimento.
Sartre, referindo-se à magnífica obra do artista Giacometti, que buscava o tempo todo a perfeição, afirmou: “A unidade maravilhosa dessa vida é a intransigência em busca do absoluto”. E o próprio Giacometti, referindo-se à destruição sistemática, por ele próprio, das suas esculturas, declarou: “Eu estava satisfeito com elas, mas eram feitas para durar algumas horas...”
O Criador nos fez para durarmos alguns anos... Desfeita a matéria-prima, vem à lembrança, o renascimento na argila dos que estão vindo. Novas estátuas dançantes surgem chorosas e tímidas, pequeninas a princípio, nos quatro cantos do mundo, até então só conhecendo as boas graças do útero materno. E a roda da existência prossegue no grande atelier cósmico. São as várias dimensões da mesma odisseia. Nada me leva mais a sentir a multiplicidade na unidade e vice-versa, como na arte.
Eu gostaria de ter dito a ambos: à tia e ao rapaz, que o tempo é o senhor absoluto dos nossos corpos, mas não de nossas almas! Ele vive conosco e nos carrega implacavelmente! Mas nossas almas voam quando querem, sem amarras. Respiram... Fazem amor e arte com quem e quando bem quiserem. Sonham, descansam no Ser. Prometem a si mesmas o Desconhecido! Transcendem. Vestem-se de primavera, outono, verão, inverno, assim fora de ordem e estações que nem imaginamos... Sobem e descem a escada que leva ao infinito! Ouvem as canções que lhes curam as chagas, cheiram o perfume que lhes inebria e dá prazer. São como gatos, em sua sedução e independência, e como pássaros quando se soltam pelos céus das cidades ou florestas. Sentem as outras almas com quem se relacionam em amor e compaixão. Não importa se por pouco ou muito tempo...Tudo na respiração de um momento que cheira à eternidade.
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