terça-feira, 1 de agosto de 2017

O Major Pirola

Maria J Fortuna


                    


                     Correu boato na cidade que o velho Major Pirola gostava de conversar com a Mãe D´Água no quintal de sua casa, onde havia um ancestral poço de pedra. Pois era lá que ela costumava aparecer.  A menina Maria, de nove anos, ficou muito interessada nessa história... ou estória, não sei. O fato é que quando ela passava pela casa dele, do major, sentia certo arrepio. Na verdade , era intrigante saber que o velho militar aposentado tão sisudo e cansado de guerra, tinha tempo e prazer em bater papo e se deslumbrar com tal controvertida figura, que ninguém sabia se veio de Deus ou do demônio... Era mãe, o que lhe dava garantia de ser amorosa, mas ao mesmo tempo sedutora, coisa que não ficava bem a uma mãe. E por que ele, o Major, ainda não tinha caído no poço como todos os homens que se deslumbravam com a lendária e perigosa figura?  Interrogava a menina a si mesma.  A Mãe D´Água, pelo que todo mundo ali sabia, encantava os homens e os chamava para as águas, soltando sua bela voz de outro mundo, numa doce e desconhecida canção, que inflamava os corações de suas vítimas com incontrolável paixão!    Daí eles ficavam obcecados e não mais voltavam para suas casas e seus entes queridos.  Sumiam no poço como se o mesmo os sugasse todos como se fosse canudinho de refresco gigante. Só que ao contrário.  Talvez nada tivesse acontecido até aquela data com o Major Pirola devido a que, a tão magnífica e paradoxal entidade, metade moça, metade peixe, tinha dó daquele velho.   Pois era sabido que ela só encantava com sua faceirice, jovens fortes e corajosos, de preferência pescadores que, navegavam e pescavam pelos rios e, portanto, mais expostos aos seus encantos...     Na realidade a sereia teria percebido que aquele velho não serviria pra nada no fundo do poço...  Além disso era difícil de acreditar que um militar ex-combatente da primeira guerra mundial, que fumava charuto e andava de bengala, cederia às armadilhas sedutoras daquela fatal criatura!  Pelo que tudo indicava a tal Mãe das águas queria divertir-se com o ancião. Criaturas da água, elas são livres, soltas e divertidas, mas também tinham aquele toque perverso de querer possuir e descartar o sujeito encantado. Não gostavam de redes ou cabrestos e adoravam brincar, livres e soltas...

                      Mas os comentários continuavam a perder de ouvido... Disseram que o Major Pirola, após permanecer algum tempo olhando pras águas escuras do poço, havia pegado “quebranto”, algo que só acontecia com criança pequena e que só era curado por mulher benzedeira.  -  Deve ser porque quanto mais velho a pessoa fica, mais vai virando criança, pensava Maria. Mas nem uma mulher, pelas redondezas, que praticava aquele oficio, queria benzer o pobre major. Ele era muito sisudo para se submeter à magia das curandeiras.    Esse era outro motivo pelo qual o velho continuasse sofrendo de quebranto... estava ficando magro e com cor amarelada. A menina achava que a sereia não o levava profundo do poço porque não se judia de velho que cada dia virava mais criança...
                       O tal boato do major corria solto de que o velho combatente estava encantado,  ganhou  ainda mais espaço quando sua empregada, tão idosa quanto ele, dizia que hipnotizado pela Mãe D´Água, o coitado ficava gelado e com febre. Mudo o dia todo... não falava uma só palavra, nem para lhe dar ordens, o que ele mais gostava!

                      Mas aquilo era mentira, pois o pai de Maria, quase todas as tardes, jogava gamão com Major Pirola e nunca disse que ele ficava mudo o jogo todo, apesar de ser um homem introvertido e resmungão.    Mas o pai da menina sabia e amava jogar gamão, com isso conquistou o ancião, que não tinha família ou amigos.

                      Quando a menina passava pela casa do longevo senhor, via sua silhueta de costas para a rua e o seu pai de frente para ele. Portando voltado para rua. No meio, o tabuleiro de gamão.  Ele tinha esse costume: deixar a porta bem aberta porque dizia não ter nada a temer, pois além do mais andava armado o tempo todo.  Só fechava a porta da rua quando a veste escura do céu ficava cheia de pingos de luz piscante, que eram as estrelas.

                    Certo dia, quando o sol estava de partida, deixando seus últimos raios amornando os telhados das casas daquela pequena cidade no interior do Maranhão, Maria foi comprar pão na Venda da esquina, como o fazia todos os dias a mando de sua mãe.  O vento estava soprando de um jeito estranho, como se o zumbido dele sacudisse as palmeiras de babaçu. A menina ouviu uma doce voz murmurando canção desconhecida... Um pressentimento estranho tomou conta de seu coração.Quando passou pela casa do Major Pirola, um frio percorreu seu mirrado corpinho diante de uma cena inesperada!   Pela porta aberta da casa, no lugar da pequena mesa rústica de gamão, havia um caixão em meio a duas velas. Ela viu a careca do major, reluzindo ao clarão das duas pequenas chamas.  Ninguém estava lá.  Nem seu pai que havia viajado para a Capital. A menina fez esforço para superar o medo e rezou ali, baixinho.... Apressada pegou os pães na Venda e saiu correndo para casa. Mas ainda deu para ouvir uma voz dizendo:

                    - Coitado do Major Pirola! Nem foi a Mãe D´Água que o levou; foi a tuberculose... 
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Um comentário:

MJFortuna disse...


Vagner Aniceto
10:58 (Há 21 minutos)

para mim
Lindo ... lindo ... Poderia fazer um livro deles ... beijos.

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